Um marco na música caboverdiana
Uma voz doce, rouca… um talento que inspira, um toque suave, uma marca na música tradicional cabo-verdiana, que já tem um espaço conquistado.
Mayra Andrade era há quatro anos a promessa da música, hoje é a concretização de que ninguém duvidou.
Dona de um estilo próprio e sempre inspirada em Cabo Verde, já arrebatou prémios e pessoas. Entre a bossa nova e o jazz, trouxe novas roupagens ao batuque, ao funaná e à coladeira.
Começou a cantar aos cinco anos, em casa para a família. Os temas de Caetano Veloso eram os escolhidos. Participava nas aulas de música da Escola Pentagrama e foi aí que recebeu o primeiro convite para gravar, mas a mãe não aceitou.
Aos seis anos, Mayra foi com a mãe e o padrasto, na época embaixador de Cabo-Verde, instalar-se no Senegal, depois em Angola e na Alemanha, onde Mayra estudou num colégio interno dos onze aos quatorze anos.
Mais tarde, Mayra regressou a Cabo-Verde onde, aos 15 anos, cantou em público pela primeira vez fora de um ambiente escolar. Foi no âmbito do lançamento do disco ‘’Cap Vert l’enfant (vol. I)’’ no Palácio da Cultura, na Praia - a sua cidade. Pediu aos organizadores do Centro Cultural Francês, que a deixassem cantar duas músicas, pois a sua irmã ia partir para Lisboa poucos dias depois e Mayra queria que ela a visse cantar. Ninguém a conhecia como cantora, mas deixaram-na subir ao palco. Também não tinha músicos que a acompanhassem, mas graças ao Mito, um primo pintor, foi apresentada ao guitarista Angelo Andrade e ao flautista Robert Pemberton, um escocês que se mudou para Cabo Verde quando descobriu a música de Cesária Évora. «Último Desejo», tema aprendido num disco de Maria Bethânia, e «Les Portes de Paris» do musical «Notre Dame de Paris» foram as primeiras canções com que Mayra deslumbrou o público. Não por acaso, duas canções que apontavam para dois destinos importantes no seu futuro: Brasil e França.
No dia 15 de agosto de 2000, dia da Nossa Senhora da Graça, santa padroeira da Cidade da Praia, Mayra Andrade deu o primeiro concerto a solo na Praça Alexandre Albuquerque acompanhada de um grupo de músicos. Os convites para voltar a pisar palcos começaram logo aí.
É convidada para ir a Lisboa cantar no Coliseu do Recreios num concerto que marcou o encontro de três gerações de música cabo-verdiana. Pouco tempo depois é convidada para o festival de jazz “Les Rendez-Vous de L’ Erdre” em Nantes. Foi a primeira vez que Mayra Andrade se apresentou em França.
Orlando Pantera na sua vida
O encontro com o Orlando Pantera foi o evento crucial do seu desenvolvimento artístico: ‘’na altura não sabia o queria fazer, mas sabia que queria fazer algo novo e o Pantera mostrou o caminho’’. Esse foi um momento importante na história da cultura em Cabo Verde, um momento que Mayra descreve como «efervescente», com novas ideias e tradições a encontrarem formas de conviver apenas 25 anos após a independência. Nasceu aí uma jovem geração musical e Mayra, com apenas 15 anos, já não era uma mera testemunha dos acontecimentos, mas uma participante activa que nunca deixou de fazer as coisas à sua maneira.
Em 2001, Mayra e Pantera foram seleccionados para representar Cabo Verde nos Jogos da Francofonia, no Canadá. Foi uma época de definição, mas também de muita tristeza, motivada pelo desaparecimento inesperado de Pantera. Mayra regressou a casa com a medalha de ouro, e o Parlamento da Francofonia decidiu então conceder-lhe uma bolsa para um aperfeiçoamento vocal que a levou uma vez mais a estar longe de casa.
Paris, a sua nova casa
Mudou-se para Paris aos 17 anos. Viveu novas experiências, alargou horizontes e aos 21 anos depois de contrato firmado com a Sony gravou o primeiro álbum “Navega”.
“Navega” foi gravado em Paris, ao longo de vinte dias e produzido por Jacques Ehrhart. Foi feito com excelentes músicos, um reportório refinado por vários anos de palco e um espírito de palco. Este álbum venderia mais de 80 000 mil cópias, chegando a Disco de Ouro. Mayra tinha também começado a realizar colaborações importantes gravando ao lado de Charles Aznavour («Je Danse Avec L’Amour»), Chico Buarque e Lenine («Amor, Cuidado!»). Mais recentemente, as suas aventuras musicais levaram a colaborações com Youssou N’Dour, Mart’nalia, Carlinhos Brown, Margareth de Menezes, Hugh Coltman, Angélique Kidjo, Yael Naim, Asa, Pedro Moutinho e muitos outros.
Chegaram os prémios e os convites para grandes palcos
Em 2007 recebeu uma distinção da associação dos German Record Critics e no mesmo ano o Ministro da Cultura de Cabo-Verde atribuiu-lhe uma Medalha de Mérito Cultural. Os prémios continuaram a chegar em 2008, com a BBC 3 a distinguir a cantora no universo da World Music com o prémio da artista revelação do ano, e em Cuba recebe um Cubadisco, reconhecimento importante do seu apelo universal. Em 2010 é distinguida pelo Presidente da República de Cabo Verde com a Medalha de 1ª Classe da Ordem do Vulcão.
A German Record Critics voltou a atribuir o seu prémio ao disco “Stória, stória...”.
Nos últimos anos, Mayra tem-se apresentado em palcos tão importantes como o Carnegie Hall, Le Casino de Paris, Royal Albert Hall, Barbican Center, Coliseu dos Recreios de Lisboa e do Porto, Centro Cultural de Belém, La Cigale, e é convidada regular dos festivais mais importantes como o Central Park Summer Stage, Printemps de Bourges, Womad Festivals, Jazz Baltica, Expo Universal de Pekin, Festival de Jazz de Montréal.
Três, um número perfeito
Mayra Andrade tem três discos editados em cinco anos: “Navega” em 2006, “Stória, stória…” em 2009 e “Studio 105” em 2010.
“Navega” foi gravado em Paris, ao longo de vinte dias e produzido por Jacques Ehrhart. Foi feito com excelentes músicos, um reportório refinado por vários anos de palco e um espírito de palco.
Com “Stória, stória...” Mayra quis fazer um disco mais pensado e ter mais tempo para cantar. Juntamente com Alê Siqueira e alguns grandes músicos e parceiros que já tinham participado no seu primeiro disco (Quim Alves, Etienne Mbappé, Zé Luís Nascimento), Mayra esteve dois meses em estúdio, essencialmente entre Paris e São Paulo, mais também no Rio de Janeiro, Salvador de Baía e Havana, de onde Mayra voltou com a sensação de querer descobrir essa outra ilha na qual nasceu.
“Studio 105” tem um registo íntimo de um concerto gravado ao vivo nos estúdios da Radio France. O titulo, Studio 105, é tão simples e directo como a música que este novo lançamento encerra. O trabalho em trio acústico - sob a direcção musical de Munir Hossn - aborda com grande liberdade algumas canções já conhecidas do seu repertório e conta com a participação especial de Vincent Ségal (violoncelo) e de Hugh Coltman (voz). O CD vem acompanhado de um DVD que documenta esta aventura de despojamento e nos permite olhar para Mayra com outra luz.